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SÃO FRANCISCO PARA HOJE


São Francisco de Assis constitui-se uma personalidade das mais extraordinárias do ocidente. Nasceu em 1181 (ou1182) na cidadezinha de Assis, região da Úmbria, na Itália. Jovem sonhador, ele usou sua força, sua inteligência e suas estratégias para conseguir viver seu ideal: o Evangelho de Jesus Cristo.
Queria ser cavaleiro, mas “caiu do cavalo”. A guerra entre as cidades causou-lhe grande sofrimento. E a discriminação dos leprosos, mais sofrimento. Neles São Francisco reconheceu o rosto sofredor do próprio Cristo.
Imerso em pensamentos diversos sobre a organização da sociedade, da Igreja e do novo sistema econômico que vinha se formando, Francisco optou por servir o “Grande Rei”. Deixou tudo e, nu, foi reconstruir uma igreja conforme tinha ouvido do próprio Cristo: “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja”.
A personalidade de Francisco atraiu e atrai milhões de pessoas para o Cristo. O seu olhar para o ser humano é um olhar divino. Cada ser é “irmão” filho e filha do mesmo Pai criador de todas as coisas.
Hoje São Francisco continua uma referência.
Nas últimas décadas aconteceram mudanças muito grandes no modo de vida do ser humano, que afetam profundamente não só o modo de vida, mas a própria compreensão de ser humano, suas relações entre si e com a natureza. Frei Volney Berkenbrock afirma que vivemos numa “civilização urbana”). Não porque vivemos na cidade, mas desenvolvemos um novo modo de ser. Na civilização urbana a regra é a da escolha e das possibilidades. O sentimento é de que todas as coisas são sempre passíveis de escolha e de possibilidades. A mobilidade é outra característica forte. Poder movimentar-se a princípio de qualquer lugar para qualquer lugar; a pessoa sente-se muito pouco ou nada presa a algum bairro ou lugar a ser frequentado. Os vizinhos quase não se conhecem... e as comunidades se constituem a partir de grupos com interesses comuns. Parece que mudaram a velocidade e o tempo.  Tudo tem que “vir” rápido, mas também “passar” rápido para dar lugar a outra coisa que precisa “vir” rápido. Não há “tempo” de maturação... e algo extremamente importante agora, é rapidamente esquecido em poucos meses. Também subordinada à velocidade do vir e ir está a hierarquia de valores éticos. O meu interesse me faz agir e relativizar a gravidade dos meus atos. Em termos de religião, hoje é uma decisão pessoal. A opção religiosa migrou do ser algo de relevância pública, para cada vez mais ser algo de foro íntimo, de nível pessoal (privado). No fundo, o individualismo exacerbado cria cada vez mais pessoas egoístas, fechadas em si mesmas e movidas apenas pelos próprios interesses de bem estar.
Se na Idade Média São Francisco abriu horizontes para novas relações, hoje continua sendo uma personalidade inspiradora para humanizar nossas relações. No fundo, cada pessoa aspira pela fraternidade, pela paz, pela liberdade em relação às coisas e aos sistemas que oprimem. 
O “magnetismo” de São Francisco continua sem fronteiras. Hoje existem seguidores de Cristo do jeito dele em muitas denominações religiosas. A Família Franciscana se estende na Igreja Católica, na Igreja Luterana, na Igreja Anglicana, na Igreja Metodista, no Islã, em outros grupos e muitos espíritas rezam a oração atribuída a São Francisco.
A vida de São Francisco propõe a vivência dos valores que brotam do Evangelho: na consideração do ser humano como a criatura mais importante neste mundo; no respeito pela natureza da qual dependemos para viver bem; na escolha daquilo que faz bem a todos; no ir e vir com equilíbrio respeitando a vida e o tempo; no reconhecimento de que “não somos ilhas” e encontramos pessoas pelo caminho; na correria não deixar o que é essencial no relacionamento com a família e com os amigos e o tempo de diálogo com o Deus verdadeiro; na hierarquia de valores não iludir-se com os falsos valores e perder de vista a postura ética; no dia-a-dia olhar para o outro sem egoísmo, pois ele tem os mesmos direitos que eu, com respeito porque ele é tão importante quanto eu, com fraternidade porque somos filhos do mesmo Deus.
São Francisco foi fiel ao Deus verdadeiro e nos mostra que este é o caminho da felicidade completa. Os deuses falsos iludem.
Frei Valmir Ramos, ofm
(Pároco da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus e Vice-Presidente do Educandário Santo Antônio



PAZ NO MUNDO



A paz querida por Deus
Deus quer a paz. Quando criou todas as coisas, no Paraíso reinava a paz. Isto quer dizer que existia uma harmonia entre as criaturas que usavam sua força apenas para sobreviver. O leão caça o cordeiro, a serpente caça o rato, a aranha faz armadilha para o mosquito, e assim todos agem apenas para matar sua fome. O equilíbrio era mantido e todos conviviam se respeitando.
Deus criou também seus filhos. Como eram racionais, começaram a pensar modos de levar vantagem diante das outras criaturas e de seus semelhantes. Aí, o que era harmonia virou concorrência, ameaça, medo, desrespeito, vingança e morte. A paz sobreviveu apenas onde existia ambiente para ela e onde as pessoas a consideraram um valor importante.
Em Belém nasceu o Príncipe da Paz (cf Is 9,6; Lc 2,11-12) que construiu um novo paradigma de paz (Jo 18,36) e enviou seus discípulos para levarem a paz (cf Mt 10,12-13; Lc 10,5). Em Belém nasceu um Profeta (cf Mc 6,15; 8,28; Lc 7,16; 9,8.19; Mt 16,14), aliás, mais que um profeta, pois não só anunciou como trouxe a salvação (cf. Mt 12,41; 1Pd 1,10-11; Lc 10,24).

A paz vivida pelas primeiras comunidades cristãs
Os cristãos, logo nos primeiros anos deram testemunho da missão de paz que haviam recebido do Mestre. As primeiras comunidades resistiram à perseguição e foram testemunhas da não violência. A missão de construir um reino de paz foi assumida por homens e mulheres que não hesitaram em entregar a própria vida pela paz e tornaram-se mártires cristãos. Já estava assinalada que a conquista da paz tem preço.
A perseguição dos Impérios amenizou com o imperador Constantino. Aí todo mundo tinha que ser cristão. Era a base da chamada Cristandade que tinha como missão converter os infiéis e expandir o sistema cristão. A Igreja antes perseguida pelos não-cristãos, passou a persegui-los. Com a invasão dos mulçumanos e a conquista da Terra Santa por eles, a Igreja reagiu e iniciou as Cruzadas. Foi até considerada uma guerra santa!

A paz de Francisco de Assis
Nasceu Francisco de Assis, um homem de paz. Sua personalidade traz a paz como característica: “...de aspecto glorioso... na caridade fraterna...no trato afetuoso... sereno por natureza e de trato amável... rápido para perdoar... sutil ao falar... tinha o rosto alegre e o aspecto bondoso... língua apaziguante... mostrava toda mansidão para com todas as pessoas” (1Cel 83). Na ação Francisco foi pacificador. Quando começava a sua pregação saudava os irmãos e as irmãs transmitindo a paz: “O Senhor vos dê a paz” (1Cel 23).
Diante da ação bélica da Igreja, Francisco opta pela não violência, opta pelo caminho da fraternidade. É conhecida a intervensão de Francisco em Gúbio (Fior 21), mesmo que seja simbólica. Também nos é conhecida aquela de Assis, onde Francisco intervém para a paz entre o bispo e o podestá (LP 44).           
Levar a paz é para Francisco a missão da Ordem, como vemos quando chegam os seus primeiros seguidores, um homem de Assis, depois Bernardo e tantos outros (1Cel 24).
            L. Boff interpreta a Regra Franciscana: “Ao andar pelo mundo, os irmãos devem andar, evangelicamente, pobres, anunciar a paz, comer o que a gente tiver, e renunciar a qualquer tipo de violência e dar a quem pedir (cf 1Rg 14). O sair do mundo, implica num entrar mais profundamente num mundo novo. A forma mais expressa disso é ‘ir entre os sarracenos e outros infiéis’. O sentido da missão para Francisco é para viver o Evangelho da fraternidade universal, ‘submetendo-se a todos os homens por causa do Senhor e confessando-se serem cristãos’. Portanto, a vivência da fraternidade e do serviço para além das diferenças de religião e de cultura está mais próxima da verdade do Evangelho do que a simples aceitação doutrinária dele. Somente depois, ‘quando julgarem agradável ao Senhor, podem anunciar a Palavra de Deus’(1Rg 16)”. (L. BOFF, Francisco de Assis: ternura e vigor, 115-116).



A paz na missão da Igreja
João XXIII, em sua “Pacem in Terris” (1963) afirma: “A paz sobre a terra pela qual tem ansiado os homens de todos os tempos não pode ser fundada e assegurada senão quando a ordem estabelecida por Deus for, conscienciosamente, respeitada”. O Papa estava vislumbrando uma árdua missão da Igreja para construir a paz em nossos dias. Era o tempo da “guerra fria” que alimentava uma corrida armamentista sem precedentes. Dois lados do mundo se armando um contra o outro: Estados Unidos (representante do mundo capitalista) e URSS (representante do mundo comunista). Ambos os lados pretendiam ser donos da verdade. Mas brota naturalmente interrogações como estas: ao Capitalismo - como pode ser justo e viver em paz um sistema que acumula bens, destrói sistematicamente a natureza em nome do progresso e exclui 72% das pessoas do acesso ao necessário para a vida digna? Ao Comunismo - como pode ser justo e viver em paz um sistema que tira a liberdade das pessoas, as persegue física e ideologicamente, lhes nega a possibilidade de vivenciar a religião?
Depois do Concílio Vaticano II, encerrado em 1965, a Igreja começou sua atuação para ajudar na construção da paz social, de modo especial na luta pelos Direitos Humanos. Por isso mesmo, assumiu mais as causas dos pobres, dos povos oprimidos, das raças discriminadas, dos grupos sociais que lutam por seus direitos, pelos movimentos de Justiça e Paz.

A paz social, fruto da justiça
            Todas as sociedades anseiam pela paz. Ironicamente, as sociedades humanas que pensam não agem efetivamente por ela.
Hoje vivemos no tempo da globalização econômica que faz as sociedades se dobrarem diante da força do mercado. Impera o capitalismo, o individualismo, o hedonismo, a corrida desenfreada pelo lucro e pela exploração dos bens naturais. As pessoa valem quanto podem gastar...
            Na Sagrada Escritura temos uma palavra traduzida como paz: “shalom”. É uma palavra que traz a ideia de perfeição e plenitude, de paz, de bem estar, de saúde, de harmonia consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com o próprio Deus.  
Durante a história do povo da Bíblia vemos os profetas reagindo a situações semelhantes àquelas que vivemos hoje.
Para o profeta Isaías, a paz é fruto da justiça: “O fruto da justiça será a paz, e a obra da justiça consistirá na tranquilidade e na segurança para sempre” (Is 32,18). No capítulo 65 do mesmo livro de Isaías vem expressa a vontade de Deus: “Eu vou criar um novo céu e uma nova terra... Farei de Jerusalém uma alegria, e de seu povo um regozijo... e nunca mais se ouvirá choro ou clamor. Aí não haverá mais crianças que vivam apenas alguns dias, nem idosos que não cheguem a completar os seus dias... ninguém trabalhará inutilmente, ninguém gerará filhos que morram antes do tempo... o lobo e o cordeiro pastarão juntos, o leão comerá capim junto com o boi...” (Is 65,17-25).
O profeta Miqueias enxerga a injustiça social de seu tempo: “Acaso posso tolerar a casa do ímpio com seus tesouros ganhos injustamente, com suas medidas falsificadas e detestáveis; acaso devo desculpar balanças viciadas, sacolas cheias de pesos adulterados? Os ricos prosperam com a exploração, os seus habitantes só falam mentiras e têm na boca um língua mentirosa...” (Mq 6,9-10).
Amós é ainda mais incisivo, reconhecendo que as injustiças ocorrem para conseguir as riquezas: “oprimindo aos pobres e maltratando os míseros” (4,1), “desprezando o pobre e cobrando-lhe tributo do trigo” (5,11), “espremendo o pobre, despojando os miseráveis” (8,4). Os juízes “convertem a justiça em amargura e jogam o direito por terra” (5,7) e “aceitam ser subornados e fazem injustiça ao pobre no tribunal” (5,12).
A justiça na Bíblia é entendida como atenção especial de Deus aos pobres, particularmente às viúvas, aos órfãos e aos oprimidos (Sl 10,17-18; 82,1-8; cf 109,16). Deus quer garantir a eles os direitos inalienáveis dos humanos: terra-alimento, dignidade, liberdade e segurança (cf Jr 5,28; Mt 5,20; 6,33; 20,1-16; Lc 20,47).
O ser humano reage diante de situações de desrespeito as seus direitos: se a vida é ameaçada, a tendência é reação de defesa. Se a fome e a sede apertam, inicia a busca por alimento e água.

Vejamos os textos atuais:
“Tais são ricos, tais seus benefícios. Dão pouco e recebem muito. Esta é vossa humanidade. Expoliam, mesmo quando dizem que socorrem. Para vocês, até mesmo o pobre é uma fonte fecunda da vossa ganância. Impõem ao pobre a usura (o consumismo), e sabem obrigá-lo depois a pagar caro por isso, mesmo quando não tenham sequer o suficiente para as suas necessidades básicas. Como vocês são misericordiosos! Os que vocês ‘libertam’, vinculam a vocês e os obrigam a que vos paguem pelas suas ganâncias, mesmo que não tenham o que comer.” (São Basílio – 329-379)
“Está certo, há muitos que não param de me dizer: ‘estás atacando aos ricos!’ Mas, são eles que atacam aos pobres! Como eu ataco os ricos? Não aos ricos, mas aos que usam mal as suas riquezas. Eu não me canso de repetir que não condeno aos ricos, mas o ladrão. Uma coisa é o opulento, outra o avarento. Distingue as coisas e não confunda o inconfundível. És rico? Parabéns! És um ladrão? Eu te condeno por isso. Tens o que é teu? Desfruta-o! Apoderas-te do que não é teu? Então, não calarei a minha boca! Queres me apedrejar? Pois bem, eu estou pronto a derramar o meu sangue, desde que isso impeça que cometas pecado.” (São João Crisóstomo - 349-407)
Dom Helder Câmara: "Se der pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostrar por que os pobres não tem pão, me chamam de comunista e subversivo."
A violência contra os povos indígenas não tem explicação. Alguém pensa que sem respeitá-los haverá paz?
Os trabalhadores sem-terra lutam pelo direito de produzir. A ideia do progresso e do agronegócio não permite que este direito seja estabelecido. Alguém pensa que os conflitos agrários acabarão sem acabar com o latifúndio e sem mudara o sistema de produção agrícola para que os brasileiros não passem fome? Só exportação não enche barriga, enche os bolsos do especulador.
A paz haverá quando houver respeito pelos direitos humanos e justiça aos pequenos.
Enquanto houver disputa pelo conquista do mercado da droga, também não haverá paz. A sociedade precisa abrir os olhos para a prevenção e liberdade diante da droga. Sem consumidor não tem produção, nem venda, nem disputa de mercado. Nisto o Estado precisa se impor como responsável pela ordem pública e paz social.
Os cristãos são seguidores do Príncipe da Paz. Por isso mesmo, deveriam ser os primeiros a viver e construir a paz. Hoje eles são vistos como aqueles que querem a guerra...
Os franciscanos e admiradores de São Francisco não podem concordar com as injustiças, com o investimento bélico e o desrespeito à vida e à dignidade das pessoas, a exploração e destruição das criaturas de Deus, especialmente pelo desrespeito ao meio ambiente.
Semana Franciscana
Bebedouro, 05.10.2011
Frei Valmir Ramos, ofm




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